terça-feira, 19 de março de 2013

Os dedos de Francisco, fraudes no ponto eletrônico e uma alternativa eficaz (entre outras mazelas)

Quem pensava que pilantragem era exclusividade da classe política enganou-se (que novidade...). Óbvio que qualquer categoria tem seus mocinhos e seus bandidos. Os médicos que usavam dedos de silicone para fraudar o ponto eletrônico são um bom exemplo disso. E não são só eles. O coordenador do Samu, acusado de organizar o esquema, tenta tirar o cu da reta, mas os dedos apontam para ele.

Isso sempre me faz pensar sobre a fragilidade do sistema e as tentativas que se faz para torná-lo perfeito – mas ele nunca o será. Mesmo que se implante um chip no cu das pessoas, sempre haverá um jeitinho, alguém sempre estará disposto a driblar as normas e alguns vão conseguir. Se formos escavar esses casos até o fundo, a conclusão será sempre a mesma: lucro. Por que ficar sentado no plantão se eu posso estar lá e no meu consultório ao mesmo tempo? Mas ninguém vai assumir que o objetivo era esse. Coordenador vai dizer que não sabia de nada, a médica que “passava os dedos” dirá que foi ordem do coordenador e os médicos poderão alegar que foram vítimas de um boa-noite-Cinderela e tiveram seus dedos clonados por marcianos numa noite de sábado. Desafiando a física, esses médicos estavam em dois lugares ao mesmo tempo, recebendo, obviamente, dois ordenados. Desafiando o bom senso, muitos dos que se mostram indignados com o caso fazem igual ou pior. É que o que os dedos não apontam o coração não sente.

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Dedos são coisas que possuem uma simbologia muito profunda. Eles são muitos, e são relativamente longos. Além disso (e por isso) é possível enfiá-los nos lugares mais improváveis, em expedições exploratórias de tirar o fôlego. Dedos são partes do corpo tão importantes que é neles que colocamos alianças de compromisso e é neles que o Papa coloca um dos maiores símbolos do poder da Igreja, o Anel do Pescador.

Mas desta vez o anel não será de ouro maciço. O Vaticano já anunciou que o anel será feito de prata receberá uma cobertura de ouro. Parece que o ouro representa o divino e a prata o humano, ou coisa assim. Mas o que deixou muita gente entusiasmada é a possibilidade de a Igreja dar uma guinada histórica e colocar-se numa posição um pouco mais condizente com a realidade do século XXI. Também apontam para essa possibilidade o nome do Papa (que remete a São Francisco de Assis), as frequentes quebras de protocolo (que fazem o Papa parecer mais humano e menos divino), sua ligação com a América Latina e com os jesuítas entre outras coisas. Enfim, até o fato de Sua Santidade ter recebido a multidão de braços abertos ou fechados é motivo para os “especialistas” tirarem conclusões esperançosas. Mas, parafraseando São Lula (o santo dos nove dedos), o Vaticano também é um navio enorme (e muito antigo), e qualquer manobra muito brusca pode naufragá-lo. É bem por aí.

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(Um pouco de cultura (quase) inútil

Il Camerlengo é o responsável pelas finanças do Vaticano, dentre outras coisas. Ele conhece o subsolo da Santa Sé melhor que o próprio Papa, e é o responsável pela retirada do Anel do Pescador do dedo do papa morto (ou que renunciou) e destruí-lo (o anel) para que ninguém seja papa antes do conclave. Ele é uma figura mais ou menos como o mordomo dos livros de suspense. Se registrarem o ponto com dedos de silicone lá no Vaticano, desconfie do camerlengo. Se assassinarem o Papa, então...)

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Os dedos – seus usos e desusos na infância

Quando éramos crianças e apontávamos os dedos para as estrelas, ganhávamos verrugas. Talvez essa crença tenha origem na necessidade de amputarmos de nossas crianças a curiosidade. Desconfio que se elas permanecessem muito tempo observando o céu noturno, invariavelmente sua curiosidade seria aguçada e seu senso crítico daria os primeiros e preciosos passos. Se permitíssemos que elas crescessem perguntado sobre as estrelas (aqueles pontos inúteis no céu) logo elas estariam questionando nossas tradições, atentando contra a moral e os bons costumes e fazendo piadas com o Papa como se ele fosse um qualquer. Portanto, crianças, se forem observar as estrelas, aproveitem a tecnologia do século XXI e providenciem uns dedos de silicone para contá-las de forma mais segura.

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Moral da história (mas ainda não estamos no fim)
A moral da história é que esse lance dos dedos de silicone é uma bela cutucada no cu do sistema. Claro que é imoral, antiético, blá, blá, blá e etc. (ninguém precisa escrever isso em nenhum lugar para as pessoas se darem conta disso). Mas, por outro lado, essa situação reflete um aspecto importante de nossa sociedade: não adianta tentar obrigar as pessoas a fazer a coisa certa (ou o que quer que seja considerado certo) porque o “certo”, queiramos ou não, ainda é o lucro a qualquer custo. E enquanto esse conceito permear nossa sociedade (eternamente, talvez) não haverá tecnologia que impeça fraudes. E, como o sol nasce para todos, todos nós estamos sujeitos à tentação de se bronzear um pouco mais. Como alguém disse uma vez: onde existe uma situação em que é possível sair lucrando, alguém vai descobri-la e vai lucrar. Não importa se é aqui, em Brasília, na Etiópia ou no Vaticano.

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Aproveitando a deixa para dar uma surra de rastelo nas promessas da tecnologia

Você lembra quando implantaram, na empresa onde você trabalha, o sistema de ponto eletrônico por impressão digital, com a desculpa de que assim seria impossível um colega registrar o ponto do outro? Pois é. E a tecnologia falhou novamente. #CHUPASISTEMA

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Uma alternativa eficaz

Contrariando o que eu escrevi anteriormente, creio que talvez exista uma forma de evitar fraudes nos pontos eletrônicos (pelo menos por homens). A solução seria passar o pênis ao invés do dedo. Quando ouvi a notícia sobre os dedos de silicone fiquei imaginando como seria o processo de “clonar” os dedos. Provavelmente foi aplicada uma forma de gesso (ou algo assim, note que sou leigo no assunto) e a partir do molde foi fabricada uma cópia em silicone. Agora imagine como seria o processo de copiar um pênis. E mais: imagine como seria andar por aí com meia dúzia de pênis nos bolsos. E mais ainda: imagine como seria pegar cada um deles e passar no ponto eletrônico, sabendo que eles são idênticos aos pênis dos seus colegas de trabalho. Certamente tais situações vexatórias inibiriam boa parte das fraudes em pontos eletrônicos. Fica a dica.


quinta-feira, 14 de março de 2013

Ocasional

O cão na chuva
encolhe o corpo
e observa a gota
que cai.

O homem
brinca de morto
e pergunta
pra onde se vai?

domingo, 10 de março de 2013

Lá pelas tantas

Lá pelas tantas você percebe que está cansado
e descobre que, não importa o que diga,
o que faça ou desfaça,
sempre haverá quem queira ouvir
e quem queira calar.
E você disfarça a indignação
- a indigna ação -
de tolerar a entorpecência,
de tolerar a lei muda
que declara que mudar
o que quer que seja
é um provocar sem perdão
(o maior pecar)
até que, lá pelas tantas,
o sono fica mais forte 
do que a própria morte
- mas você tem que continuar.


sexta-feira, 8 de março de 2013

Foda-se, essa merda!


Há muito me parece que não há nada mais contemporâneo do que o ato de tocar o foda-se. Tanto que deveria existir um verbo novo, específico, que resumisse em uma palavra apenas esse tão preciso e atual gesto. Ao invés de dizer que fulano “tocou o foda-se”, poderíamos utilizar outro verbo, como, por exemplo, fulano “desempapou-se” (calma, eu já explico).

Acontece que desempapar-se pode ser compreendido mais ou menos como o contrário de empapar-se (embeber-se, ensopar-se, mergulhar-se em líquido...). Se pensarmos na sociedade líquida de Bauman, isso faz até certo sentido, uma vez que o modus operandi do “tocar o foda-se” tem certa relação com o excluir-se (ou tentar excluir-se) de certo conjunto de valores e operações dos quais se espera que determinadas ações produzam determinados resultados.

Na prática, tocar o foda-se consiste em colocar um ponto final nas dúvidas transitórias suspensas, dar a tarefa por concluída, afastar-se da situação-problema e, de longe, observar o estouro-resultado (afinal, o show não pode parar).

E foi exatamente o que o Papa fez. Ele desempapou-se. Incapaz de consertar aquele antro de corrupção, putaria e iniquidade que é a Igreja, ele decidiu que não queria mais nada com aquela bagaça, e declarou que está velho demais para essas coisas e que vai passar o resto de seus dias dedicando-se a escrever livros.

(Como se não bastasse, antes mesmo de vermos sair qualquer fumaça, branca ou preta, um dos cardeais que participaria do conclave assumiu que teve “atitudes impróprias” com seminaristas e também “largou pras cobra”. Pois é, pois é , pois é...)

Evidente que nem o cardeal nem o ex-Papa (é assim que se diz?) vão deixar de ser fiéis católicos que rezam e pedem perdão a Deus todas as noites por seus pecados, assim como aquele que entrega o relatório feito nas coxas ao chefe também não vai deixar de ser um bom colaborador da empresa.

Tocar o foda-se é uma arte, que deve ser exercida com cuidado e responsabilidade. Deve ser feito quando você é constrangido a fazer algo que você sabe que não vai dar certo (e cuja argumentação em contrário jamais funcionaria devido às ridículas estruturas hierárquicas) ou quando não existe outra alternativa. Não deve ser exercida em qualquer momento ou ocasião, mas somente quando é evidente que os esforços serão enormes e os resultados pífios. A vida é curta demais para esforços hercúleos que não trazem resultados. A vida é curta demais para os teatrinhos, para os faz-de-conta, para deslocar exércitos com o objetivo de masturbar um general. Mas como você é um soldado e tem que marchar (pois o general precisa ejacular) então foda-se! Vamos marchar! Conscientes, porém, do objetivo principal e do resultado. Aquele que faz o que está além do seu dever e antevê a desgraça que está por vir, o faz sob inspiração do foda-se, e, por isso, jamais chorará ao final. Passará pela sarça ardente sem se queimar e servirá de exemplo para os demais soldados, até que um dia, talvez, todos aprendam a masturbar-se sozinhos e não haja mais generais.

Tocar o foda-se tem a ver com limites. Ao contrário do senso comum, a minha concepção de limite tem a ver com algo insuperável, muito próximo ao impossível (o limite só não é igual ao impossível porque permite ao vivente a chance de tentar superá-lo). As pessoas devem estar conscientes dos seus limites. As pessoas que comandam as outras devem pensar nisso mais ainda, pois, além de lidar com seus próprios limites, deve conhecer e respeitar os limites da equipe sob seu comando. Quem tenta superar seus limites está sujeito à frustração e tocar o foda-se é a salvação de quem não tem outra alternativa.



Bem-aventurado o líder capaz de tocar o foda-se. Este será exemplo, seus descendentes cantarão as suas vitórias e seus erros não se repetirão.



Nesse sentido, o leitor atento certamente já percebeu que em momento algum eu denigro a atitude do Papa. Apesar do tom jocoso e despudorado dos meus escritos, no fundo eu admiro muito a atitude de Bento XVI. Ao menos ele teve a presença de espírito de praticamente dizer “não, isso não é pra mim”. O representante de Deus na terra, detentor da infalibilidade papal, cansou-se daquilo, atirou o chapéu num canto e foi fazer outra coisa. Com o aval de Deus “desempapou-se” de muita lama, de muita sujeira e deixou o troninho de ouro para outro machão qualquer tentar dar um jeito naquela joça. Enfim...

Observado por esse viés, tocar o foda-se torna-se uma excelente válvula de escape. Poupa as pessoas de desgastes desnecessários, evita a criação de inimizades e atritos inúteis e, sobretudo, exercita a criatividade.

Sejamos, pois, ferrenhos defensores dessa arte. Desempapemo-nos como fez Bento XVI, mas de forma melhor, mais alegre, menos disfarçada e sem hipocrisia.

Se você gostou desse texto, compartilhe, curte, coise, enfim... se não gostou, foda-se. Mas não deixe de comentar aí em baixo, mesmo que for para xingar. Até a próxima!