sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Saídas de emergência e saídas da hipocrisia

Duzentas e trinta e tantas vítimas do incêndio numa boate em Santa Maria. Notícia que figurou nas capas dos maiores jornais do mundo (e dos menores também). A imprensa tem orgasmos.

Longe de simplesmente “informar”, como dizem alguns alienados, em muitos casos a mídia chuta longe da goleira, tão longe que a bola vai parar no pomar da mãe do Badanha. Perguntar “qual o sentimento nessa hora”, a uma mãe que talvez tenha identificado o corpo de um filho a poucos minutos, não tem explicação. Não há curso de jornalismo que pague ou que explique. E não há Freud que arrisque um palpite.

Não é surpresa (ou não deveria ser) pra ninguém que toda mídia, toda forma de publicar coisas que serão lidas/consumidas por um grande público, tem um viés ideológico, confere com uma determinada linha de pensamento, conscientemente ou não; e visa a um objetivo, um resultado (não adianta espernear, até o jornalzinho local da tua cidade não desperdiça um parágrafo sem saber qual é o alvo). Mas o que explica o comportamento da imprensa nesses casos de tragédia? Dia após dia vemos os “noticiários” mostrando as mesmas imagens, os mesmos “vídeos amadores”, catando aqui e ali os mesmos responsáveis por isso e aquilo e, como sempre, declarando culpados e inocentes, como se fosse um “poder judiciário” para leigos.

Parte da explicação para isso talvez se deve ao público. Sempre sádico, sempre ávido por mais do mesmo. Não quero saber se esse público foi condicionado ou não a isso (isso não é, ainda, um admirável mundo novo), pois o fato é que ele (nós) estamos aí e somos assim: nós queremos tragédia, queremos corpos assassinados, ensanguentados; depois queremos um culpado (um basta); em seguida, queremos justiça (vingança) e, por último, queremos o gozo contemporâneo e facebookiano (e, por que não, Cristão?) do compartilhar. Compartilhar a dor. Compartilhar o pesar. O sofrimento. Em última instância, compartilhar a hipocrisia. A hipocrisia de viver às custas do tal “jeitinho” (como todo mundo, aliás) e apontar o dedo na fuça do vizinho cujo “jeitinho” resultou numa saída de emergência ineficaz. A hipocrisia de verter lágrimas por pessoas que sequer conhecemos. Não sejamos falsos! Quem, realmente, chora por quem não conhece? Sentimos um lamento, mas ele é tão grande assim? Tão grande a ponto de querer cancelar um carnaval (embora ninguém queira cancelar seu churrasquinho particular dominical)? Tão grande a ponto de turvar o raciocínio e nos impedir de compreender o sentido de uma tirinha que, na verdade, é uma homenagem às vítimas (embora todos riram da tirinha do homem-bomba que ia “ensinar uma vez só”)?

Aqui em Carlos Barbosa há um sábio, um filósofo interiorano que, certa vez, disse: "antes eles do que eu". “E se fossem os seus filhos?”, alguém perguntou. “Mas não foram. Antes os filhos deles do que os meus”. Parece chocante, mas (sejamos honestos) em que profundezas do nosso ser escondemos o “antes eles do que eu”? Sobretudo se considerarmos o fato de que a maioria das casas noturnas não são muito diferentes daquela de Santa Maria.

Só ao nosso sábio interiorano, devidamente protegido no interior da “bodega”, é permitido falar tais coisas. Não esperamos que todos sejamos tão frios e tão sinceros, mas esperamos que todos considerem que, pelo menos por um segundo, no canto mais profundo da alma, alguma coisa dentro de nós deu graças aos deuses por não estar no lugar daquelas pessoas. Se, mesmo procurando com muito afinco, não encontrarmos uma parte de nós que ficou muito feliz por não ter sido a Eletric Circus a queimar conosco dentro, significa que alguma parte da nossa alma encontrou uma saída de emergência. Ao menos ela escapou do incêndio que veio a seguir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Perturbe a ordem. Comente!