Longe
de simplesmente “informar”, como dizem alguns alienados, em
muitos casos a mídia chuta longe da goleira, tão longe que a bola
vai parar no pomar da mãe do Badanha. Perguntar “qual o sentimento
nessa hora”, a uma mãe que talvez tenha identificado o corpo de um filho
a poucos minutos, não tem explicação. Não há curso de jornalismo
que pague ou que explique. E não há Freud que arrisque um palpite.
Não
é surpresa (ou não deveria ser) pra ninguém que toda mídia, toda
forma de publicar coisas que serão lidas/consumidas por um grande
público, tem um viés ideológico, confere com uma determinada
linha de pensamento, conscientemente ou não; e visa a um objetivo,
um resultado (não adianta espernear, até o jornalzinho local da tua
cidade não desperdiça um parágrafo sem saber qual é o alvo). Mas
o que explica o comportamento da imprensa nesses casos de tragédia?
Dia após dia vemos os “noticiários” mostrando as mesmas
imagens, os mesmos “vídeos amadores”, catando aqui e ali os
mesmos responsáveis por isso e aquilo e, como sempre, declarando
culpados e inocentes, como se fosse um “poder judiciário” para
leigos.
Parte
da explicação para isso talvez se deve ao público. Sempre sádico,
sempre ávido por mais do mesmo. Não quero saber se esse público
foi condicionado ou não a isso (isso não é, ainda, um admirável
mundo novo), pois o fato é que ele (nós) estamos aí e somos
assim: nós queremos tragédia, queremos corpos assassinados,
ensanguentados; depois queremos um culpado (um basta); em seguida,
queremos justiça (vingança) e, por último, queremos o gozo
contemporâneo e facebookiano (e, por que não, Cristão?) do
compartilhar. Compartilhar a dor. Compartilhar o pesar. O
sofrimento. Em última instância, compartilhar a hipocrisia. A
hipocrisia de viver às custas do tal “jeitinho” (como todo
mundo, aliás) e apontar o dedo na fuça do vizinho cujo “jeitinho”
resultou numa saída de emergência ineficaz. A hipocrisia de verter
lágrimas por pessoas que sequer conhecemos. Não sejamos falsos!
Quem, realmente, chora por quem não conhece? Sentimos um lamento,
mas ele é tão grande assim? Tão grande a ponto de querer cancelar
um carnaval (embora ninguém queira cancelar seu churrasquinho
particular dominical)? Tão grande a ponto de turvar o raciocínio e
nos impedir de compreender o sentido de uma tirinha que, na verdade,
é uma homenagem às vítimas (embora todos riram da tirinha do
homem-bomba que ia “ensinar uma vez só”)?
Aqui
em Carlos Barbosa há um sábio, um filósofo interiorano que, certa
vez, disse: "antes eles do que eu". “E se fossem os seus filhos?”,
alguém perguntou. “Mas não foram. Antes os filhos deles do que os
meus”. Parece chocante, mas (sejamos honestos) em que profundezas
do nosso ser escondemos o “antes eles do que eu”? Sobretudo se
considerarmos o fato de que a maioria das casas noturnas não são
muito diferentes daquela de Santa Maria.
Só
ao nosso sábio interiorano, devidamente protegido no interior da
“bodega”, é permitido falar tais coisas. Não esperamos que
todos sejamos tão frios e tão sinceros, mas esperamos que todos
considerem que, pelo menos por um segundo, no canto mais profundo da
alma, alguma coisa dentro de nós deu graças aos deuses por não
estar no lugar daquelas pessoas. Se, mesmo procurando com muito
afinco, não encontrarmos uma parte de nós que ficou muito feliz por
não ter sido a Eletric Circus a queimar conosco dentro, significa
que alguma parte da nossa alma encontrou uma saída de emergência.
Ao menos ela escapou do incêndio que veio a seguir.
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