quarta-feira, 29 de junho de 2011

Insinuações símias sobre o Universo e máquinas de escrever

Ou: Onde tudo começa e tudo acaba
 
                                                             E se Deus for um macaco num laboratório alienígena, brincando com as teclas de uma máquina de escrever?

 
Times New Roman é, sem dúvida, uma das fontes mais feias que existe. Não sou só eu que penso assim. É quase uma unanimidade. Entretanto, ela é ao mesmo tempo uma das mais utilizadas, seja em trabalhos científicos, diários eletrônicos, e-mails, jornais, livros, ofícios e o que mais você conseguir imaginar. É bem possível que essa preferência inconsciente pelo mais feio deve-se simplesmente à preguiça de clicar lá em cima e trocar para Arial. Ou talvez não.
O pretexto corrente de que a fonte “times” é uma exigência da ABNT não vale. A norma também admite o uso da outra. Ao menos meus singelos trabalhos acadêmicos nunca tiveram problemas com o uso de Arial.
Bem, depois de resolvido esse importantíssimo problema da fonte (porque beleza ainda é fundamental), o próximo passo consiste em escolher um dos dez dedos e empurrá-lo em direção a uma das teclas. Na verdade trata-se de oito dedos, se admitirmos que aos polegares corresponde a barra de espaços, e se admitirmos, ainda, que não é muito coerente iniciar um texto com um espaço (apesar de tradicionalmente existir alguns centímetros vazios a cada novo parágrafo). Mas esqueçamos isso. Deixemos que a magia do Office nos ajude com os parágrafos.
Assim sendo, tendo resolvido a questão da primeira letra, podemos deduzir que o segundo passo em direção a um texto consiste necessariamente em inserir a segunda letra. Mas esta, ao contrário da primeira, não pode ser escolhida ao acaso. Existem normas (convencionadas e não convencionadas) em relação a isso e elas devem ser respeitadas (sob pena de a comunicação não ocorrer).
Esta sucessão de caracteres inseridos deverá, necessariamente, formar uma palavra, seja ela conhecida do leitor ou não. A sucessão de palavras eventualmente poderá compor um texto que, ainda eventualmente, poderá ter alguma utilidade para alguém (o bom da modernidade é que árvores são poupadas, eu acho). Sobre isso, cabe destacar que, normalmente, a qualidade de um texto é inversamente proporcional a sua utilidade (se estivermos falando de Literatura), mas isto não é uma regra. Há textos inúteis e ruins, como este.
A partir daqui existem nada menos do que trocentas e tantas teorias que pretendem explicar as infinitas partes disso tudo que eu estou falando. Há inclusive teorias que tentam demonstrar como leitores insanos procuram por textos igualmente insanos que atendam as suas expectativas, bem como as formas que essas pessoas se relacionam (ou não) fora do universo dos textos escritos, o que pode ser ainda mais sinistro (ou não, dependendo do ponto de vista). Isso sem falar nas teorias que demonstram como muitas pessoas procuram pela leitura de textos que lhes desagradem. Hay de todos os tipos, disse uma personagem de O tempo e o vento.

***

O Teorema do Macaco Infinito (mudando de sacola para eco-bag) é uma brincadeira matemática que pretende demonstrar o quanto o infinito pode ser grande e apavorante. Assim, imagine um macaco com um computador a sua frente e com a liberdade para pressionar as teclas que quiser. Surgirão diversas letras aleatórias e, eventualmente, duas delas poderão formar uma sílaba e, com sorte, uma palavra. Se imaginarmos dez macacos com dez teclados podemos concluir que aumentam as probabilidades de surgirem outras sílabas e outras palavras.
Agora, se imaginarmos um número infinito de macacos pressionando aleatoriamente as teclas de um número infinito de teclados, e imaginarmos, ainda, que eles possam passar nada menos que toda a eternidade fazendo isso (esses chimpanzés são fodas), podemos concluir que existe, estatisticamente falando, a possibilidade de que um deles escreva, sem querer, um soneto de Camões. Ou uma página do Zero-Hora. Ou este texto. Os mais fervorosos garantem que pode surgir até a obra completa de Shakespeare. O tempo é tudo (não a matemática)...

(Me pergunto se os macacos prefeririam Times ou Arial...)

(Aliás, acho que todo o mundo se faz esse tipo de pergunta. Não é possível que as pessoas estejam sempre se perguntando se os sapatos combinam com a blusa ou se devem abastecer com álcool ou gasolina. Seria um desperdício (ou sete bilhões de desperdícios...), enfim...)

Na verdade, talvez não estejamos muito longe dessa ideia boba dos macacos infinitos. Macacos que juntam letras e constroem realidades. Há alguém que se considere muito mais do que isso? (Quero conhecê-lo, porque ela deve ser uma pessoa incrível).
Não quero dizer que somos tão inúteis a ponto de atravessar o infinito esperando pelo acaso de “trupicar” em alguma boa ideia, mas é quase isso. Não podemos negar que estamos conectados ao passado de um processo que se não é infinito é muito longo, e que tudo o que vivemos hoje não passa do resultado de uma boa “trupicada” ancestral. E não importa quando começou, importa que eu não estava lá. Nem os macacos ou o MS-Word. Não havia e não há protagonistas. Há somente pessoas ao acaso, dando Ctrl+C e Ctrl+V em ideias boas ou ruins, coerentes ou absurdas; volta e meia esbarrando em algo novo (ou ao menos desconhecido) misturando coisas que pode resultar em algo produtivo ou catastrófico, como o texto de um macaco infinito.
E as considerações finais? Como concluir uma página de um texto que ninguém sabe onde começou? Simples: não se conclui. Sobre esse aspecto a televisão e os seriados americanos já nos brindaram com sua criação máxima: o to be continued.
Eu, para exercer o cilício da continuação, gosto de utilizar Arial, espaçamento 1,5. Começo digitando a primeira palavra e concluo que as pessoas que inventaram o backspace inventaram a roda e não o sabem, tal qual macacos shakespearianos. Se isso presta? Nem Deus sabe! Mas em meio a todas essas letras me satisfaço com a beleza que consigo enxergar nelas e me comprazo em imaginar que ela pode ser diferente daquela que os macocos veem. - E, de quebra, me dou o direito da culpa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Perturbe a ordem. Comente!