domingo, 29 de maio de 2011

Breve reflexão semi-surrealista a respeito da matéria

O dia e a noite, a cada minuto, tendem a ser mais parecidos. A se tocarem. Misturam-se como um gato se mistura ao sofá onde dorme tranquilo.

Neste dia e nesta noite, este gato e este sofá são os mesmos. Somente suas posturas mudam. O gato se espreguiça: o sofá relaxa. O gato salta ao chão em busca de sua tigela de “coisinhas sabor peixe”: o sofá respira. O gato retorna ao sofá e se recolhe em uma bola de vida: o sofá agradece e o abraça carinhosamente.

Pessoas entram e saem do dia e da noite cada vez mais “mesmas”. Diluem-se, a cada dia, as diferenças entre sono e vigília. Dormimos tensos e sonhamos acordados. O sol e a lua nos acolhem e riem gostoso.

Nossas camas e nossos automóveis são idênticos, e não por acaso. E nossos animais de estimação nos lançam olhares atônitos; olhares que antes pertenciam somente aos peixinhos dourados, habitantes daqueles navios de plástico que já nascem naufragados.

Dia e noite, idênticos, transformam-se em um único mar cinza, cujo destino é abrigar nossos corpos, nossos escafandros afundados. Gato e sofá transgridem a rotina por mim imposta (a de caçar ratos e descansar pernas) para ganharem vida própria e servirem de espelho da alma que resta. Um espelho sem controle remoto. Sem digitalismos e de infinitos megapixels. Um espelho que mostra o quanto a matéria morta ao meu redor me acolhe e me fabrica, como o sofá fabrica o gato que, espreguiçando, lhe fere o braço com as unhas. De dia ou de noite.

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